Fala-se muito do “dia de reflexão”, esse sábado véspera de eleições em que, oficialmente, os cidadãos devem suspender o ruído das campanhas, desligar os megafones e pensar, serenamente, no voto que depositarão no domingo. É um conceito bonito, quase romântico — imaginar um país inteiro em pausa, a ponderar escolhas, a revisitar promessas e a medir esperanças. Mas será mesmo assim?

Na verdade, o verdadeiro dia de reflexão chega depois. Chega na segunda-feira. E prolonga-se pela semana seguinte, quando o país desperta para o resultado das urnas e tenta decifrar o que o voto coletivo quis dizer. É nesse momento que se reflete a sério — sobre o que mudou, o que não mudou e o que poderíamos ter feito de forma diferente.

É então que percebemos que a democracia não se esgota no ato de votar. O voto é um ponto de partida, não uma linha de chegada. A reflexão verdadeira começa quando cada eleitor se confronta com o resultado — goste ou não dele — e tenta encontrar, mesmo nas derrotas, um motivo de esperança. Porque uma comunidade democrática saudável não se constrói sobre ressentimentos, mas sobre a capacidade de transformar divergências em progresso.

Independentemente da cor partidária, há sempre algo de positivo a retirar. A vitória de uns pode ser a oportunidade de outros repensarem estratégias; a derrota pode ser o ponto de viragem que faltava. E o mais importante: que as decisões que se seguirem sejam tomadas com base na voz do povo, que é, afinal, a essência da legitimidade democrática.

Mas há um outro tipo de reflexão que raramente se pratica: a de acompanhar, escrutinar e participar nos quatro anos que se seguem. A democracia não é um espetáculo de domingo; é um exercício de vigilância permanente. Os cidadãos — todos nós — temos o dever de manter acesa a chama do questionamento, de exigir responsabilidades, de comparar promessas com realizações.

E aqui entra a comunicação social regional e local, tantas vezes esquecida, mas essencial para a saúde cívica das comunidades. São os jornais e rádios de proximidade que podem, com independência e rigor, acompanhar os projetos prometidos em campanha e verificar se, de facto, saem do papel. É também através deles que os cidadãos podem exercer o seu papel fiscalizador, informando-se, questionando e participando.

Talvez fosse tempo de redefinir o “dia de reflexão”. Que não seja apenas um sábado de silêncio — até porque, num tempo em que tudo se comenta e se partilha nas redes sociais, é quase impossível cumprir escrupulosamente essa trégua —, mas o início de um ciclo de atenção ativa, de cidadania madura. Porque a democracia não se faz num dia, faz-se todos os dias — nas escolhas, nas perguntas, nas vozes que não se calam depois das eleições.

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